A N-acetilcisteína (NAC), uma forma do aminoácido cisteína, é amplamente utilizada na medicina de emergência para tratar indivíduos que apresentam overdose de acetaminofeno ou paracetamol. Estudos placebo-controlados verificaram a eficiência da NAC como tratamento de transtorno depressivo maior, transtorno bipolar, esquizofrenia, tricotilomania e outros transtornos de controle de impulsos e transtornos de abuso de substâncias. A NAC geralmente é bem tolerada em dosagens usadas para tratar transtornos psiquiátricos, porém alguns pacientes reportam náuseas, vômitos, queimações, erupções cutâneas e febre. Estudos investigando os benefícios da NAC em transtornos psiquiátricos maiores reportam resultados mistos. Este artigo fornecerá um resumo dos resultados principais de pesquisas.

A N-acetilcisteína (NAC): Mecanismo de ação

A NAC restaura os níveis do principal antioxidante do corpo, a glutationa, uma molécula que tem um papel essencial na redução de espécies reativas de oxigênio tóxicas (ou radicais livres), reduzindo o dano intracelular causado por estas moléculas altamente reativas. A NAC também reduz os níveis sanguíneos de citocinas pró-inflamatórias como a IL-6 e o TNF alfa (fator de necrose tumoral alfa), que estão envolvidos na patogênese da esquizofrenia, transtorno bipolar e humor depressivo. A NAC aumenta os níveis de cisteína que por sua vez modula as vias sintéticas do glutamato e da dopamina e estimula a liberação de dopamina. 

NAC, transtorno depressivo maior (TDM) e transtorno bipolar

Uma metanálise e revisão sistemática de estudos placebo-controlados com a NAC sobre o humor depressivo de pacientes com diagnóstico de transtorno depressivo maior, transtorno bipolar e outros transtornos psiquiátricos identificou cinco estudos placebo-controlados que apresentavam os critérios de inclusão para tamanho e rigor (574 participantes no total). Indivíduos com humor depressivo no contexto de transtornos psiquiátricos diferentes apresentaram melhora moderada nos sintomas de humor depressivo e melhora nas capacidades gerais em resposta à monoterapia com NAC por 12 a 24 semanas. Em um estudo duplo-cego de 16 semanas (252 participantes), adultos diagnosticados com transtorno depressivo maior foram randomizados para NAC contra placebo enquanto tomavam seus antidepressivos habituais. Na semana 16 (mas não na semana 12) as taxas de resposta e remissão foram maiores no grupo NAC. Indivíduos no grupo NAC reportaram taxas maiores de desconforto gastrointestinal. 

Em um teste clínico duplo-cego de 6 meses (75 participantes) adultos com transtorno bipolar foram randomizados para receber 2000mg de NAC por dia ou placebo, enquanto continuavam seu tratamento habitual. Indivíduos recebendo NAC apresentaram reduções significativas e contínuas em sintomas de humor depressivo e melhora na capacidade geral quando comparado ao grupo placebo. A melhora foi perdida um mês depois de descontinuarem a NAC. Em uma fase aberta de 2 meses de um estudo randomizado placebo-controlado 149 indivíduos moderadamente depressivos diagnosticados com transtorno bipolar foram tratados com NAC (1gm BID). No final do estudo os sintomas de humor depressivo diminuíram significativamente e índices de capacidade e qualidade de vida melhoraram. Em um subsequente estudo duplo-cego placebo-controlado feito pelos mesmos autores 149 pacientes bipolares estáveis randomizados para NAC (2gm/dia) comparados ao placebo enquanto continuavam o tratamento habitual, não apresentaram diferenças significativas em taxas de recorrência ou medidas de resultados em relação a capacidade e qualidade de vida. No final do estudo, os scores de sintomas permaneceram baixos e foram observadas mudanças mínimas nas medidas de resultados nos grupos NAC e placebo. 

Em um estudo duplo-cego de 16 semanas publicado recentemente (181 participantes) adultos com transtorno bipolar com um episódio depressivo agudo atual foram randomizados para receber 2000mg de NAC por dia, NAC com nutracêuticos ou placebo enquanto continuavam com seu regime habitual de medicamentos psicotrópicos. O tratamento combinado consistia em NAC mais 16 substâncias conhecidas por seus efeitos benéficos no funcionamento mitocondrial, incluindol-carnitina, ubiquinona (coenzima Q10), ácido alfa lipóico  e cofatores necessários para o funcionamento mitocondrial normal. No final do estudo nenhuma diferença foi encontrada entre os grupos em relação à severidade do humor depressivo bipolar, medido através da Escala Monntgomery-Åsberg para Avaliação da Depressão (MADRS). Porém, 20 semanas após a descontinuação do tratamento, indivíduos que receberam o tratamento combinado reportaram melhoras clínicas significativamente maiores quando comparadas ao grupo placebo. Os autores interpretaram esse achado como um possível benefício atrasado do protocolo combinado, ou melhora clínica após a retirada do tratamento. 

NAC e esquizofrenia

Como no transtorno bipolar, indivíduos com esquizofrenia podem ter stress oxidativo relativamente maior quando comparados a indivíduos saudáveis. O nível de stress oxidativo pode estar correlacionado a mudanças nas membranas de células neuronais e disfunção mitocondrial, que determinam a severidade dos sintomas em indivíduos com esquizofrenia. Indivíduos com esquizofrenia também podem ter níveis diminuídos de glutamado no córtex pré-frontal. A suplementação com NAC pode reduzir a severidade dos sintomas psicóticos ao reduzir o stress oxidativo em geral e aumentando os níveis de glutamato no SNC. Em um grande estudo duplo-cego de 6 meses (140 participantes) adultos diagnosticados com esquizofrenia resistente ao tratamento foram randomizados para receber 1000mg de NAC duas vezes ao dia comparado ao placebo enquanto continuavam com medicamentos antipsicóticos. Indivíduos no grupo NAC apresentaram melhora moderada nos sintomas negativos (como apatia, escassez de pensamentos, reclusão social), melhoras na capacidade geral e redução nos movimentos involuntários anormais (ex: sintomas extrapiramidais causados pelos antipsicóticos). Indivíduos recebendo NAC como terapia complementar demonstraram melhora no autocuidado, maior interação social e motivação e humor mais estável. Assim como no estudo de transtorno bipolar as melhoras foram perdidas um mês após a descontinuação da NAC. Significativamente, antes do estudo 60% dos indivíduos responderam parcialmente a um teste prolongado com a clozapina, um antipsicótico atípico considerado o tratamento mais eficaz para esquizofrenia resistente a tratamento.

NAC e transtornos de controle de impulsos

Resultados de pequenos testes clínicos reforçam que a NAC pode ser benéfica para transtornos de controle de impulsos incluindo tricotilomania e hábito de jogo patológico. Resultados de estudos de caso e pequenos estudos placebo-controlados sugerem que a NAC na dose de 600mg a 2400mg/dia pode melhorar sintomas de compulsão em arrancar cabelos (tricotilomania), roer unhas e cutucar a pele. Participantes diagnosticados como apostadores patológicos que responderam a 1800 mg de NAC por dia em um estudo randomizado aberto de oito semanas foram randomizado para receber NAC 1800 mg contra um placebo em um estudo placebo-controlado subsequente que continuou por mais 6 semanas. No final do estudo, 83% dos participantes no grupo NAC responderam, contra somente 28% dos participantes no grupo placebo. 

NAC, abuso de substâncias e vício

Muitos estudos em humanos e animais investigaram o papel da NAC no tratamento de abuso de substâncias e vício. O mecanismo de ação tem a ver com a restauração das vias glutaminérgicas normais que ficaram desequilibrada pelo uso crônico de substâncias que afetam a dopamina e outros neurotransmissores. Em um pequeno estudo aberto (24 participantes) adultos diagnosticados com transtorno de uso de Cannabis tratados com NAC na dose de 2400mg/dia reportaram redução no uso diário de Cannabis e redução no uso compulsivo de Cannabis. Em um pequeno estudo placebo-controlado (29 participantes) adultos dependentes de nicotina randomizados para NAC na dose de 2400mg/dia contra o placebo reportaram reduções equivalentes e não significativas no uso do cigarro. Resultados de um outro estudo pequeno de 6 meses sugerem que a NAC na dose de 1200mg/dia pode reduzir os efeitos danosos da nicotina no DNA, potencialmente diminuindo o risco de câncer em fumantes crônicos. 

NAC e transtorno obsessivo compulsivo

Existe uma hipótese de que a severidade dos sintomas em indivíduos com transtorno obsessivo compulsivo possa ser relacionada ao stress oxidativo geral. Até o momento, existe somente um estudo de caso que já foi publicado sobre a NAC como tratamento para TOC. Neste estudo de caso um indivíduo com TOC severo resistente ao tratamento tratado com 3gm de NAC/dia junto com a fluvoxamina apresentou melhora significativa e sustentada nas compulsões e obsessões. 

Novos achados sobre benefícios da NAC para a saúde mental.

O stress oxidativo pode ser um fator comum entre diversos transtornos psiquiátricos incluindo transtorno bipolar, transtornos de controle de impulsos, esquizofrenia e transtornos de abuso de substâncias. Resultados recentes reforçam que a suplementação com NAC diminui a severidade dos sintomas nestes transtornos por diferentes mecanismos incluindo a restauração do principal antioxidante do corpo, a glutathione, redução nos níveis de citocinas pró inflamatórias no sangue e modulação de vias biosintéticas de glutamato e dopamina. Embora os resultados sejam inconsistentes, diversas evidências reforçam que a suplementação com NAC tem efeitos benéficos sobre transtorno bipolar, esquizofrenia, transtornos de controle de impulsos e transtornos de abuso de substâncias. Resultados de um estudo recentemente publicado sugerem que a NAC pode apresentar benefícios atrasados após a descontinuação do tratamento, quando é administrada em combinação com nutracêuticos. Grandes estudos placebo-controlados são necessários para confirmar estes resultados preliminares, determinar dosagens ótimas de NAC para transtornos psiquiátricos diferentes, e investigar mais além o uso adjunto de NAC em combinação com estabilizadores de humor, antipsicóticos e outros nutraceuticos que buscam reduzir o stress oxidativo e otimizar o funcionamento mitocondrial. 

Referências:

  1. Andreazza AC, Kapczinski F, Kauer-Sant’Anna M, et al. 3-Nitrotyrosine and glutathione antioxidant system in patients in the early and late stages of bipolar disorder. J Psychiatry Neurosci. 2009;34:263–71. 
  2. Berk M, Turner A, Malhi GS, Ng CH, Cotton SM, et al (2019) A randomised controlled trial of a mitochondrial therapeutic target for bipolar depression: mitochondrial agents, N-acetylcysteine, and placebo. BMC Med. 25;17(1):18. 
  3. Berk M, Copolov D, Dean O, et al. N-acetyl cysteine as a glutathione precursor for schizophrenia–a double-blind, randomized, placebo-controlled trial. Biol Psychiatry. 2008;64:361–8. 
  4. Berk M, Dean O, Cotton SM, Gama CS, Kapczinski F, et al (2011) The efficacy of N-acetylcysteine as an adjunctive treatment in bipolar depression: an open label trial. J Affect Disord. 2011 Dec;135(1-3):389-94. 
  5. Berk M, Dean OM, Cotton SM, Gama CS, Kapczinski F, et al (2012) Maintenance N-acetyl cysteine treatment for bipolar disorder: a double-blind randomized placebo controlled trial. BMC Med. 2012 Aug 14;10:91.
  6. Berk M, Copolov DL, Dean O, et al. N-acetyl cysteine for depressive symptoms in bipolar disorder–a double-blind randomized placebo-controlled trial. Biol Psychiatry. 2008;64:468–75. 
  7. Berk M, Jeavons S, Dean O, et al. Nail-biting stuff? The effect of N-acetyl cysteine on nail-biting. CNS Spectr. 2009;14:357–60. 
  8. Berk M, Munib A, Dean O, et al. Qualitative methods in early-phase drug trials: data and methods from a trial of N-acetyl cysteine in schizophrenia. J Clin Psychiatry. 2010 Sep 1; 
  9. Berk M, Ng F, Dean O, et al. Glutathione: a novel treatment target in psychiatry. Trends Pharmacol Sci. 2008;29:346–51. 
  10. Bloch MH, McGuire J, Landeros-Weisenberger A, et al. Meta-analysis of the dose-response relationship of SSRI in obsessive-compulsive disorder. Mol Psychiatry. 2010;15:850–5. 
  11. Carlsson A. The neurochemical circuitry of schizophrenia. Pharmacopsychiatry. 2006;39(Suppl 1):S10–4. 
  12. Carter CJ. Schizophrenia susceptibility genes converge on interlinked pathways related to glutamatergic transmission and long-term potentiation, oxidative stress and oligodendrocyte viability. Schizophr Res. 2006;86:1–14. 
  13. Chakraborty S, Singh OP, Dasgupta A, et al. Correlation between lipid peroxidation-induced TBARS level and disease severity in obsessive-compulsive disorder. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 2009;33:363–6. 
  14. Dinan TG. Inflammatory markers in depression. Curr Opin Psychiatry. 2009;22:32–6.
  15. Drexhage RC, Knijff EM, Padmos RC, et al. The mononuclear phagocyte system and its cytokine inflammatory networks in schizophrenia and bipolar disorder. Expert Rev Neurother. 2010;10:59–76. 
  16. Gere-Paszti E, Jakus J. The effect of N-acetylcysteine on amphetamine-mediated dopamine release in rat brain striatal slices by ion-pair reversed-phase high performance liquid chromatography. Biomed Chromatogr. 2009;23:658–64. 
  17. Grant JE, Kim SW, Odlaug BL. N-acetyl cysteine, a glutamate-modulating agent, in the treatment of pathological gambling: a pilot study. Biol Psychiatry. 2007;62:652–7. 
  18. Grant JE, Odlaug BL, Kim SW. N-acetylcysteine, a glutamate modulator, in the treatment of trichotillomania: a double-blind, placebo-controlled study. Arch Gen Psychiatry. 2009;66:756–63. 
  19. Gray KM, Watson NL, Carpenter MJ, et al. N-acetylcysteine (NAC) in young marijuana users: an open-label pilot study. Am J Addict. 2010;19:187–9. 
  20. Hashimoto K, Tsukada H, Nishiyama S, et al. Effects of N-acetyl-L-cysteine on the reduction of brain dopamine transporters in monkey treated with methamphetamine. Ann N Y Acad Sci. 2004;1025:231–5. [PubMed] [Google Scholar]
  21. Himi T, Ikeda M, Yasuhara T, et al. Oxidative neuronal death caused by glutamate uptake inhibition in cultured hippocampal neurons. J Neurosci Res. 2003;71:679–88. 
  22. Janaky R, Dohovics R, Saransaari P, et al. Modulation of [3H]dopamine release by glutathione in mouse striatal slices. Neurochem Res. 2007;32:1357–64. 
  23. Knackstedt LA, LaRowe S, Mardikian P, et al. The role of cystine-glutamate exchange in nicotine dependence in rats and humans. Biol Psychiatry. 2009;65:841–5. 
  24. Lafleur DL, Pittenger C, Kelmendi B, et al. N-acetylcysteine augmentation in serotonin reuptake inhibitor refractory obsessive-compulsive disorder. Psychopharmacology (Berl) 2006;184:254–6. 
  25. LaRowe SD, Mardikian P, Malcolm R, et al. Safety and tolerability of N-acetylcysteine in cocaine-dependent individuals. Am J Addict. 2006;15:105–10. 
  26. LaRowe SD, Myrick H, Hedden S, et al. Is cocaine desire reduced by N-acetylcysteine? Am J Psychiatry. 2007;164:1115–7.
  27. Mardikian PN, LaRowe SD, Hedden S, et al. An open-label trial of N-acetylcysteine for the treatment of cocaine dependence: a pilot study. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 2007;31:389–94. 
  28. Marek GJ, Behl B, Bespalov AY, et al. Glutamatergic (N-methyl-D-aspartate receptor) hypofrontality in schizophrenia: Too little juice or a miswired brain? Mol Pharmacol. 2010;77:317–26. 
  29. Odlaug BL, Grant JE. N-acetyl cysteine in the treatment of grooming disorders. J Clin Psychopharmacol. 2007;27:227–9. 
  30. Ozdemir E, Cetinkaya S, Ersan S, et al. Serum selenium and plasma malondialdehyde levels and antioxidant enzyme activities in patients with obsessive-compulsive disorder. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 2009;33:62–5. 
  31. Van Schooten FJ, Besaratinia A, De Flora S, et al. Effects of oral administration of N-acetyl-L-cysteine: a multi-biomarker study in smokers. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 2002;11:167–75.